A troca, a livre distribuição e o
armazenamento das melhores sementes é uma das práticas mais comuns das
comunidades tradicionais, mas esta herança cultural do cultivo corre sérias
ameaças. Isso porque o Projeto
de Lei (PL) 827/2015, conhecido como Projeto de Lei de Proteção
aos Cultivares, quer passar para grandes empresas o controle sobre o uso de
sementes, plantas e mudas modificadas.
De acordo
com o projeto, a comercialização do produto que for obtido na colheita
dependerá da autorização do detentor das chamadas cultivares, que são plantas
que tiveram alguma modificação pela ação humana, como as híbridas, por exemplo.
Para o
educador popular da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional,
Lourenço Bezerra, do Programa Amazônia, o projeto prejudica práticas
ancestrais: “Com essas sementes, o agricultor tradicional não precisa
utilizar fertilizantes sintéticos e não precisa utilizar os defensivos
agrícolas, que são os agrotóxicos, que eles chamam de defensivos
agrícolas".
Bezerra
ressalta que a medida tem como objetivo beneficiar as grandes empresas que
comercializam agrotóxicos: "Então, as empresas querem obrigar, além
do agricultor comprar a semente, mas também de comprar os insumos, os
agrotóxicos fertilizantes sintéticos e isso vai beneficiar quem? Vai beneficiar
as empresas”.
O projeto
é de autoria do deputado ruralista Dilceu Sperafico (PP-PA) e tem a
proposta de alterar a Lei de Proteção de Cultivares, que regulamenta a
propriedade intelectual referente às cultivares.
Para o
deputado federal e presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável da Câmara, Nilto Tatto (PT-SP), a proposta ameaça a segurança
alimentar e também a segurança nacional do país, ao transferir para as grandes
empresas o controle de quais sementes plantar e do volume. Ele ressalta ainda
que o projeto apresenta um discurso que visa desenvolver a pesquisa nacional
sobre as cultivares, mas, na opinião dele, amplia o controle das grandes
empresas no domínio da política da agricultura brasileira.
“Então
você joga na mão da iniciativa privada a definição da relação do que cobre e do
que não cobre de royalties da agricultora. Talvez a questão mais grave e
conceitual que está por trás desse relatório é tirar o papel do Estado sobre
determinada parte da política da agricultura brasileira”, diz o parlamentar.
Diferença entre sementes:
O projeto de lei, caso aprovado, também irá
aumentar o número de cultivares protegidas, isto é, aquelas que não podem ser
utilizadas livremente. Até 2015 foram feitos pedidos 3.796 pedidos de proteção
de cultivar e foram concedidos títulos para 2.810 cultivares. Segundo
informações no site, que estão atualizadas, a última modificação data de
novembro de 2017 e para acessar a lista completa de quem solicitou os
pedidos clique
aqui.
Na Câmara
dos Deputados, em Brasília, o PL segue em tramitação ordinária. No dia 5 deste
mês, estava marcada votação do parecer do relator do deputado federal Nilson
Aparecido Leitão (PSDB-MT), mas a pauta dividiu a bancada ruralista e o
relatório não foi votado.
Entenda:
Cultivar é
o nome dado a uma nova variedade de planta, ou seja, são espécies de plantas
que foram modificadas devido a alteração ou introdução feita pelo homem,
desenvolvida do cruzamento entre duas espécies puras e diferentes. Elas
apresentam características específicas de outras variedades da mesma espécie de
planta por sua homogeneidade, estabilidade e novidade, logo, não é encontrada
no meio ambiente.
As novas
espécies desenvolvidas em território nacional e caracterizadas como novas
cultivares são cadastradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA) pelos criadores para conferir proteção aos
direitos de propriedade intelectual. O prazo de proteção de um cultivar vigora
a partir da data de concessão do Certificado Provisório de Proteção, que dura
15 anos, com exceção das videiras, árvores frutíferas, árvores florestais e
árvores ornamentais. Após esse prazo, a cultivar cai em domínio público e
seu uso passa a ser livre de pagamentos de royalties.
De acordo com o projeto, a comercialização do produto que for obtido na colheita dependerá da autorização do detentor da cultivar. Assim, a proposta irá limitar os agricultores familiares de produzir, armazenar, distribuir, comercializar e trocar as suas sementes.
Fonte: Brasil de Fato