O Ministério Público Federal
(MPF/DF) ratificou parcialmente, nesta terça-feira (8), 28 denúncias
contra 72 ex-deputados federais pelo crime de peculato. Eles são acusados
de usar recursos públicos a que tinham direito em função do cargo para emitir
passagens aéreas em nome de terceiros. O episódio ficou conhecido como “farra das
passagens” e se tornou público em 2009, com a publicação de reportagens
jornalísticas. Em novembro do ano passado, o caso chegou à Justiça por meio de
ações penais apresentadas pela Procuradoria Regional da República na 1ª Região
(PRR1) contra 443 políticos. No entanto, os inquéritos policiais foram
desmembrados e as investigações referentes a cerca de 380 pessoas - que
perderam a prerrogativa de foro por função - foram retomadas na Procuradoria da
República no Distrito Federal (PR/DF). Em parte dos casos, o MPF entendeu que
os crimes já estão prescritos e, por isso, se manifestou pela extinção da punibilidade. As investigações continuam em relação a cerca
de 50 ex-congressistas.
Ao ratificar de forma parcial
os pedidos para que ex-parlamentares respondam por peculato, a autora das
manifestações frisou que a medida se restringe à esfera criminal não possuindo
qualquer “influência sobre eventuais providências na seara da responsabilização
civil”. É que os fatos são objeto de um inquérito civil, também em andamento na
PR/DF. É neste âmbito - o cível - que podem ser propostas tanto as ações por
improbidade administrativa quanto as de ressarcimento do Erário, caso sejam
comprovados prejuízos financeiros aos cofres públicos. Em relação a essa
vertente da investigação, também constam do procedimento políticos que ainda
exercem mandatos eletivos. Isso ocorre porque não se aplica a prerrogativa de
foro por função em relação ao aspecto cível das investigações.
Ao todo, foram enviados à
primeira instância, 47 inquéritos policiais nos quais a PPR1 havia
apresentado denúncias com o propósito de buscar a responsabilização penal dos
políticos. Como, na época, a norma interna que regulamentava o serviço não
trazia de forma expressa os casos em que o recurso público poderia ser usado, o
norteador do processo de apuração foi o atendimento à finalidade “interesse
público”. Como frisou o MPF nos documentos enviados à Justiça, para definir
em que casos deveria ser ratificado o pedido de instauração de
processo contra os acusados, todos os inquéritos foram reavaliados. Um dos
pontos considerados durante esta etapa do trabalho foi a possibilidade de
parte deles estar prescrita em função do decurso do tempo e da idade dos
envolvidos.
Já na análise individual dos
casos, na PR/DF, foram verificados aspectos como a quantidade de bilhetes
emitidos, o valor gasto pela Câmara e os destinos dessas viagens. Somados 13.877 bilhetes vinculados aos 72
ex-parlamentares denunciados neste momento, custaram aos cofres da Câmara R$
8.369.967,69. Em relação à quantidade, a
variação é grande. Há casos de ex-deputados em relação a quem aparece apenas um
bilhete e outros que ultrapassam os 400. Entre os denunciados, o recordista é
Henrique Afonso Soares Lima, que teve 434 bilhetes emitidos em nome de
terceiros vinculados a sua cota. O total desembolsado pela Câmara foi de R$
245,3 mil. Outro agravante no caso dele foi o fato de parte dessas
passagens ser para destinos internacionais. De acordo com os
documentos incluídos no inquérito, 43 ex-parlamentares tiveram mais
de 200 bilhetes emitidos em nome de terceiros durante o período investigado.
Quanto à análise feita em
relação aos locais para onde viajaram as pessoas beneficiadas pelos bilhetes
pagos pela Câmara dos Deputados, o recorte mais importante foi separar os destinos
nacionais dos internacionais. É que, na avaliação do MPF, o desrespeito ao
interesse público e o dolo dos envolvidos ficam mais evidentes nos casos em que
a cota das passagens foi usada em viagens ao exterior, sobretudo por
familiares. Entre os documentos reunidos durante a fase de investigação
preliminar, estão informações fornecidas por agências e companhias aéreas,
segundo os quais foram feitas viagens para cidades como Miami (EUA), Paris
(França) e Buenos Aires (Argentina). Atualmente, o serviço de transporte
aéreo da Câmara permite apenas viagens nacionais. Além disso, há um limite
de quatro trechos mensais destinadas a cada deputado. E o uso da cota para
viagens de assessores está condicionada à autorização da Mesa Diretora.
Por que nem todos foram
denunciados?
Dada a distância temporal entre
os atos praticados pelos ex-deputados - entre 2007 e 2009, segundo as apurações
- e a apresentação das denúncias, o MPF optou por realizar uma espécie de
pente fino em todos os processos antes de definir pela ratificação ou não das
denúncias. Além de avaliar os elementos que pudessem comprovar o envolvimento
do ex-parlamentar no crime de peculato, a medida serviu para definir em que
casos o Estado já não poderia pedir a responsabilização dos culpados pela prescrição
da pretensão punitiva.
O ponto de partida para a
análise de prescrição é a pena prevista para o crime que, no caso de peculato,
varia entre 2 e 12 anos de reclusão. A contagem do prazo começa a partir da
data da prática criminosa. Em relação à “farra das passagens aéreas”, foi
considerada a última aquisição dos bilhetes em cada caso. A partir daí, os
ex-parlamentares foram separados em três grupos: o dos que tinham mais de 70
anos e que, por lei, têm o prazo prescricional reduzido pela metade, o dos que
efetivamente deveriam responder na esfera criminal pelos atos e o dos que não
poderiam ser denunciados, em decorrência da ausência de interesse para a
continuidade da persecução penal e que, por isso receberam indicação de
arquivamento.
Esse entendimento foi
aplicado nos casos em que o total gasto pela Câmara foi de no máximo R$
100 mil, os destinos das viagens foram prioritariamente nacionais e nos quais
não foram encontrados indícios de que os envolvidos comercializaram créditos
das passagens e nem atuavam em organização criminosa. Também foi considerado
nas situações em que o número de bilhetes foi inferior a 132, o equivalente a
um por semana entre 2007 e 2009. Nesses casos, como não foram reunidos elementos de convicção suficientes para a
elucidação completa dos fatos, o entendimento do MPF foi que não haveria
utilidade manter a investigação, uma vez que - em hipótese de condenação - a
pena a ser aplicada não afastaria a ocorrência de prescrição. “A persecução penal, por ser uma atividade realizada pela
Administração Pública, deve atender ao comando constitucional da eficiência,
não sendo minimamente racional que se mantenha a tramitação de um procedimento
custoso ao Estado e à sociedade que, se sabe de antemão, não terá resultado
prático em razão da prescrição”, reforça um dos trechos do documento.
Entre os investigados com mais
de 70 anos, aparecem Rubens Moreira Mendes Filho, que adquiriu 160 bilhetes
aéreos em favor de terceiros, e Ernandes Santos Amorim, com 217 bilhetes. Nos
dois casos, a última compra aconteceu no início de 2009, ou seja, o Estado
tinha, no máximo, oito anos (metade do prazo prescricional calculado para
a pena máxima prevista para o crime de peculato) para oficializar a abertura de
ações contra eles. Ao todo, 77 investigados foram enquadrados nessa
hipótese e receberam do MPF um parecer pela extinção da punibilidade. O
posicionamento se repetiu no caso de um ex-parlamentar já falecido.
Inquérito Civil
Na esfera civil, o uso de
verbas públicas para pagar bilhetes aéreos destinados a terceiros é objeto de
um inquérito em andamento no mesmo ofício da PR/DF responsável pela ratificação
parcial das denúncias. Os envolvidos poderão ser processados com base na Lei
8.429/92 que trata de infrações que configuram enriquecimento ilícito, dano
ao erário e violação aos princípios da Administração Pública. Neste caso,
dependendo do que ficar comprovado, os acusados estão sujeitos a penas como o
ressarcimento integral do dano e o pagamento de multa que pode chegar a três
vezes o valor do prejuízo, além da perda da função pública, suspensão de
direitos políticos e proibição de fazer contratos com o poder público. Ao
todo, cotas de 560 políticos – entre antigos e atuais parlamentares – são
investigadas. O número é maior que o verificado nas ações penais por dois
motivos: primeiro porque incluem políticos com prerrogativa de foro e porque na
esfera civil, o prazo prescricional é diferente, ou seja, pessoas que não
responderão na esfera criminal poderão ser incluídos em eventuais ações por
improbidade e de ressarcimento.
Como um dos principais
objetivos nesta esfera é assegurar o ressarcimento dos cofres públicos, neste
momento, a área técnica do MPF trabalha na produção de um levantamento completo
dos valores gastos apela Câmara dos Deputados para a aquisição de passagens
usadas por terceiros. O estudo inclui o valor total pago pelos bilhetes e
também pelas taxas de embarque e deverá ser atualizado até julho de 2017. Outra
informação importante é saber em quais casos os parlamentares ou ex-parlamentares
já devolveram – ainda que de forma parcial – o dinheiro usado na aquisição de
passagens para viagens sem vínculos com o exercício da atividade parlamentar.
No inquérito consta apenas uma relação enviada pela Câmara dos Deputados
segundo a qual, ao longo do ano de 2009, 41 investigados recolheram aos cofres
públicos R$ 220.309,48.
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Fonte: MPF